segunda-feira, 26 de julho de 2010

O abismo no fim da luz

Dizem-me para olhar para a luz:
«ei-la, a luz: a rosa que desponta do silêncio das pedras».
Dizem-me para ter cuidado com o abismo:
«...[ou ele] também olhará para dentro de ti».
Dizem-me isto e aquilo, e isso, e o que resta.
Já estou farto de que me indiquem caminhos!
Farto de os percorrer empurrado e arrastado, sem que saia do mesmo sítio!
A luz?! O abismo?!
Onde estão, que nada vejo?!
E depois?! Quem disse que eu queria ver o que quer que fosse?!
Já estou farto de filósofos, de psicólogos e de crentes!
Já me bastam a mim as voltas que dou sozinho!
Vêm-me agora com teorias-terapias, com pseudo-soluções...
Tenho-as todas aqui, à minha frente, no papel!
Tudo bem arrumadinho, com índice de pesquisa e tudo!
De que me serve isso?! De que me servem as filosofias ancestrais?!
É na prática que tudo se define. Quem define? Sei lá eu!
O idoso pousa um pé na rua e é atropelado. De quem é a culpa?
Façam os cálculos...
Chamem físicos e matemáticos para ajudarem a resolver o problema!
E lembrem-se do caracol que atrasou o automobilista, faz hoje 6 anos,
e de que tudo mudou, desde então.
A criança não comeu a sopa toda, saiu mais cedo e foi violada.
Mais uma colher de sopa e teria sido feliz para sempre?
Façam os cálculos... Para todo o sempre? Não.
Façam antes a previsão do estado da vida para as próximas vinte e quatro horas.
Isso... muito sol com o destino todo nas nossas mãos...
Tudo convertido em segundos.
Carpe diem, seize the day, aproveitar o tempo...
Mas qual? Esse vazio que ainda agora por aqui passava?
Ou esse vazio que já lá vem?
O dos outros? Está bem, dêem-me lá desse tempo.
Em pacotes de cem gramas, se puder ser...
E com revestimento à prova de desamor, já agora.
Sim, ponham na conta... De quem? Não compliquem!
Afinal, de quem é o tempo?

A  luz          A  luz          A luz          A  luz        A  luz
O—————A——BI————S——————M—O———
Bµµµµµµ! (Bµµµµµµ?) Bµ. (Bµ?)
Bµ! foda-se!, e não se fala mais nisso!
(Foda-se?) Ora bolas, lá se vai a literatura...
Paciência, vai mesmo assim em formato light.
(Faltou-me o quê para ver que lado?)

4 comentários:

tediokiller disse...

Fosga-se! Quase que caia no buraco. Isto foi escrito quando?

dowhile disse...

Foi escrito em 2002. E tinhas um aviso na porta.

Ja bateste!! disse...

Quem é que escreveu o aviso em ucraniano?

dowhile disse...

Provavelmente, a mesma pessoa que escreveu este texto em tchetcheno. :)

Este texto é mais emocional do que racional. É um desabafo. É como uma fotografia de uma bebedeira qualquer que apanhei algures e da qual não me lembrava, sequer. Mas estes são relativamente fáceis de arrumar. Vão para a secção dos absurdos (embora uma parte deles não seja assim tão absurda). O problema são os outros, aqueles igualmente negros, mas escritos com frieza e sobriedade. Esses são mais difíceis de arrumar e regressam ciclicamente à minha mente. Mas eu estou convencido de que, com o tempo, vou aprendendo a lidar com eles. Vou arrumando uma parte, nem que seja na secção do que fatalmente me irá acompanhar para o resto da vida. Há coisas que não mudam. Esta percepção poderá soar a comodismo. Mas é um comodismo que me permite manter-me minimamente lúcido e equilibrado.