domingo, 26 de junho de 2011

oh estas árvores tão preenchidas
e e este céu aqui tão perto
e e este sol tão redondo e cheio
e os sentidos tão tão despertos
que regresso ao primeiro verso
e oh que poema tão deserto

De la musique - Os Resentidos

Pedimos desculpa por interromper a programação habitual, mas é que...


Tema: Galicia caníbal
Intérprete: Os Resentidos
Álbum: Fai un Sol de Carallo (1986)

... e isto só lá vai com banhos de água fria e cerveja bem gelada.

sábado, 25 de junho de 2011

Migalhas de São João

O arrail passou.
O jardim, esse continua imóvel,
incessantemente inalterável.
Há dias, houve farturas,
choques frontais, foi romaria;
gente de néon nos olhos
e plena identidade etérea.
Hoje, sobram as folhas
caindo, silêncio,
verdejantes pensamentos circulares,
e pássaros debicando no chão
migalhas de São João.

sábado, 18 de junho de 2011

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pixdaus.com

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Imagem cadente

Persigo o marejar do vento até
ao momento em que tudo surge
dos lábios do tempo: a tua voz
ecoando nas margens da memória,
a forma nítida do teu rosto,
num retrato súbi-
to de cores abstractas,
e a noite caindo lentamente
no cansaço das ondas.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

De la musique - Grant Lee Buffalo


Tema: Fuzzy
Intérprete: Grant Lee Buffalo
Álbum: Fuzzy (1993)

Miragem

viessem os teus braços entremeio
amparar a queda vertiginosa do verso e
em vez de sílabas a voz contínua que em
silêncio estremece a grafia aos
teus olhos condenada
não não sem sinais nem símbolos gastos na
desordem do papel puzzle indecifrável que
se enrola no pensamento
tu apenas tu como tu
sem mais comparações nem adornos ou
antes do termo viesse o vento
varrer-me da memória e do peito o
alfabeto inteiro do desejo
e pousasses de uma vez ó tempo miragem
de alguma vez ter visto o que tolo
continuo a insistir que vejo

quinta-feira, 2 de junho de 2011

De la musique - Red House Painters


Tema: Silly Love Songs
Intérprete: Red House Painters
Álbum: Songs for a Blue Guitar (1996)

Baileys sunset

Sábado à tarde, uma daquelas tardes solarengas que terminavam invariavelmente na Foz. Sentei-me na esplanada, pedi um café e instalei-me comodamente, fumando cigarros contemplativos, saboreando a força apaziguadora do mar. Prefiro a Foz no Inverno porque não tem o rebuliço dos dias de Verão. No entanto, o céu aberto ia trazendo para a praia mais transeuntes do que habitualmente. Eu era um deles, alheio a todos eles. A minha presença era apenas física. A minha mente, essa movia-se com as ondas, longe, algures num lugar abstracto. Venerava aquela sensação de liberdade: poder largar os ponteiros do relógio, a rotina diária e entregar-me a um relaxamento absoluto. Entrava numa espécie de compromisso, sem compromisso - um até que a morte nos separe efémero - entre mim, a dança hipnótica do mar e um horizonte transparente, aberto até ao infinito. Tudo o resto desaparecia. Mas não naquele dia.

Ela sentou-se a meu lado, chamou o empregado e pediu um Baileys. Depois, saboreou-o lentamente, de olhos postos no mar. Ignorou-me por completo e, de repente, havia algo que perturbava a quietude das horas. Comportava-se com a naturalidade de quem me conhecia há anos. E ali ficou, sem dizer nada, olhando o meu horizonte. Entrei no jogo, ignorei-a e regressei ao meu sossego. A dada altura, a sua voz quebrou harmoniosamente o silêncio: «o mistério do mar é tão ilusório como um amante ocasional» - disse. Fitei-a demoradamente. Os olhos transparentes davam-lhes a veracidade necessária para um primeiro contacto. Os lábios, ligeiramente lambuzados de licor, adoçavam o momento. Quis beber mais: «e, no entanto, aqui estamos partilhando esse mistério, mesmo sabendo que é passageiro e que daqui a pouco a realidade tomará conta das nossas vidas». Sorriu. «Não necessariamente» - retorquiu.

O sol desceu pausadamente. Um sol diferente, não feito de silêncio e de mística, mas de sorrisos e de licor. A fome apertara e fizemo-nos à estrada. Percorremos a marginal, já com as primeiras luzes da noite bailando sobre o Douro, e parámos na Ribeira para jantar. Comemos carne e conversámos sobre coisas intensamente banais. Bebemos vinho e olhares eróticos. Corremos os bares, entre vultos coloridos, suor e música. Trepámos a madrugada, lambendo o desejo dos corpos. E regressámos ao carro para devorar o fogo acumulado. Adormecemos, já o sol se espreguiçava, enrolados e exaustos, perante o pasmo do rio.

A semana passara devagar. A caminho da Foz, não era pelo sossego da praia nem pelo quebranto das ondas que eu ansiava. As imagens do sábado anterior desfilavam na minha mente, como um filme por terminar. Fora assim toda a semana, tentando dar forma e sentido a algo que deveria ser de percepção imediata: a amante ocasional, lembras-te? Sim, lembrava-me. E aceitara-o: «sem nomes nem telefonemas no dia seguinte», assim combinámos. Seria um momento único, irrepetível. Mas, na verdade, eu queria repeti-lo, torná-lo parte da minha vida. E isto confundia-me. Passava tanto tempo a tentar quebrar rotinas, a procurar libertar-me dos compromissos diários e, de repente, dava comigo a tentar transformar a casualidade. Eu queria o nome, o número de telefone, qualquer coisa que não deixasse a possibilidade de revê-la à mercê do acaso. Vieram-me à mente as últimas palavras que trocámos: «E agora?» Deu-me um beijo na face e respondeu-me com um ar despreocupado: «quem sabe?»

Cheguei à Foz bastante antes do habitual. Pedi um café e reparei em tudo o que que se movia. Fumava desenfreadamente e até o ruído das ondas me incomodava. Estava fora de mim. Não no horizonte defronte, mas no que ficou para trás. Levantei-me e vagabundeei pelos arredores, à procura de um sinal... em vão. Regressei à esplanada e, instintivamente, pedi um Baileys. O empregado trouxe-o juntamente com um bilhete «da menina que esteve consigo na semana passada». Demorei a abri-lo. Fixei o olhar no líquido espesso e apetecível, imaginando os lábios dela, aquela voz feiticeira que adoçava as horas. Não era possível adiar mais. Desdobrei o papel, duas palavras preenchiam-no: «Obrigado. Mariana». Bebi o Baileys de um só trago e senti as letras escorrerem-me pela garganta abaixo, até assentarem no estômago. Puxei de um cigarro, acendi-o e deixei que se esfumasse no ar o hálito ainda quente da pele de Mariana. Sentia-me estranhamente conformado, como se um simples nome tivesse bastado para que o filme deixasse de correr indefinidamente e se fixasse como fotografia na memória.

Regressei ao ritual habitual: os olhos no mar e a mente lá longe do mundo e das pessoas. Ah!, a minha zona de conforto, sem compromissos nem rotinas, a liberdade absoluta. Porque é que não tinha o mesmo sabor? Tudo tem um preço, meu amigo. «Por favor, dá-me lume?» - uma voz suave interrompeu a moral da história. Acedi e, ao olhá-la, perguntei-lhe impulsivamente o nome. «Ana» - respondeu, com um ar meio intimidado. Convidei-a a sentar-se para tomar qualquer coisa. Ela hesitou, mas lá cedeu: «pode ser um Baileys». Sorri - e que bem que me fez sorrir de novo. Afinal, tinha o mar diante de mim e a Ana a meu lado...