sábado, 14 de julho de 2012

De la musique - Tame Impala

Para quem ainda tem todo o tempo do mundo (ou mandou uma daquelas coisas que fazem com que o tempo passe exactamente da mesma forma, embora não pareça).


Tema: Bold Arrow of Time
Intérprete: Tame Impala
Álbum: Innerspeaker (2010)
Ouço-os,
no surrar do vento,
quando as janelas se fecham,
os passos que se vão.

Vejo-os,
no baço do vidro de aço,
os braços que, presos,
os perseguem.

Chamo-os,
no fogo dos trovões,
no desfile do troar,
os olhos de sangue rubro;

e grito!...
espasmos mudos
no ar que me devora,
sem que fale...

(e ficou algo por dizer...)

Sim,

sinto
- pressinto -
a presença da ausência,
no cheiro
da vela queimada,
sem chama...

e chamo,
clamo!
tardiamente reclamo...

O tempo.

Bom dia

Isto (aqui em cima) dizia eu há 10 anos. Agora não clamo, não reclamo, faço menos trocadilhos e evito pontos de exclamação, sobretudo depois do que não precisa de ser exclamado para ser ouvido (neste caso, lido). Aceito que o tempo já era. Ou melhor, foi. Sem suspense. Adiante.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Ainda a propósito de memória

Estive a rever o Blade Runner. Há uma parte do filme, em que Roy (Rutger Hauer), um dos replicantes a ser abatido, abdica da sua vingança para que Rick (Harrison Ford), blade runner encarregado de o «afastar», perceba o significado de medo, o medo de quem julga que vai morrer a seguir. Rick foi salvo, in extremis, por Roy. A Roy já nada nem ninguém podia valer, o seu prazo de validade havia chegado ao fim. Estas foram as suas últimas palavras:

«I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I've watched C-beams glitter in the dark near the Tannhauser Gate. All those moments will be lost in time, like tears in rain. Time to die.»

A memória é uma via indispensável para nossa identidade. Sem memória, a nossa existência, pura e simplesmente, apagar-se-ia. Regra geral, isso acontece aquando da nossa morte. Às vezes, acontece antes.

Quando recordamos um determinado momento, estamos, de certa forma, a revivê-lo. Mas, a partir de uma certa altura da vida, recordar é também perceber que estamos mais velhos (logo, mais perto do fim) e que aquele momento que acabámos de recordar é irrepetível, não pela sua singularidade, mas porque nos faltam capacidades físicas e/ou psicológicas para o conseguir repetir. Queríamos mais. Mais vida, como pediu Roy ao seu construtor. Mas não é possível. E isto faz-nos morrer um pouco.

Para quem esteja num processo de perda de memória, esta parte inconveniente, omitida na frase «recordar é viver», torna-se irrelevante, perante a perda progressiva de identidade. Imagino o que uma pessoa nestas circunstâncias, e que tenha consciência do que está a acontecer, não daria por mais tempo de memória, nem que fosse para morrer um pouco ao recordar a seguir. É mesmo assim: queremos o que não temos e, por vezes, só damos valor ao que temos quando estamos prestes a perdê-lo (ou já o perdemos).

Quem, por outro lado, tem ainda o privilégio de se lembrar (e a expectativa de continuar a lembrar-se) das coisas, está pouco preocupado com o tempo das recordações. Escreve e reescreve a sua vida, pois tem todo o tempo do mundo para o fazer. Ou, pelo menos, assim parece.

Mas não é. E mais cedo do que tarde acabamos a procurar compensar, recorrendo a eufemismos e meias-verdades, a dura realidade de estarmos mais velhos. Eu disse velhos? - Velhos são os trapos! - Queria dizer maduros, experientes e sábios...

Ficam algumas imagens que vale a pena recordar, ao som da excelente banda sonora do filme.