sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Acaso

«No acaso da rua o acaso da rapariga loira»,
como se também eu a tivesse visto «há muito tempo
numa outra cidade, numa outra espécie de rua»,
e também eu tivesse sido outro.
Bem sei que «todas as recordações são a mesma recordação»;
o que, desde logo, chegaria para explicar o que faz essa rapariga loira
no meio dos meus versos, tão longe de casa.

Insisto, porém, com o pensamento quebrado a meio:
de um lado, uma paisagem antiga,
com Álvaro de Campos fitando casualmente a sua rapariga loira, que não está lá;
do outro, uma paisagem antiga,
onde avisto casualmente a minha rapariga loira, que não está cá.
Algures, pelo meio, uma das duas fala-me.
Talvez a tivesse ouvido, deveras, não fora eu estar onde não estou.
Mas, assim, o que dizer-lhe? Como dizer-lho?
Enfim, sorri-lhe que sim, que estava um dia bonito, e voltou-me costas,
já o Engenheiro se fora. Fechei o livro
e segui-lhe os passos mal distintos, até que a perdi no fim de uma frase qualquer.
Mais tarde, acabei por reencontrá-la, perfeitamente por acaso,
entre papeis riscados e fotografias amarrotadas.
Afinal, não era loira. Mas suponho que isso agora fosse irrelevante;
até porque há muito que havia terminado o (con)texto.

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