A ausência é o primeiro passo para o desdobramento do 'Eu'.
Começas pelo fim, pelo último dia em que sentiste presença.
Exploras esse dia, tomas-lhe o gosto, o seu aroma quente,
a sua voz que vibra. Mas não chega. Então, divides o ontem
em dias mais antigos. Cada um deles guarda uma história,
uma parte de ti que desconheces. Desdobras-te, segues cada um
desses caminhos como se fosses o mesmo. Mas cada caminho
é uma encruzilhada; e, entretanto, mudaste: cada parte de ti
assume a sua independência, imposta e não premeditada. Une-vos
a mesma ânsia de passado, mas não mais do que isso. Supostamente,
esse elo seria a via para uma identidade, mas a árvore alonga-se,
a génese dispersa-se; estás mais longe, quando o que pretendias
era precisamente o inverso. É mais fácil dividir do que reunificar.
E um dia perdes-te. Olhas-te no espelho e não te reconheces.
Sentes a seiva do tempo invadir-te os olhos, traz-te o que não pediste:
uma imagem desfocada, dividida, onde ecos labirínticos habitam.
Encerras a página, já nada faz sentido. Aceitas o apelo irrecusável
da abstracção: está um belo dia de olhos voltados para o mar.
E sorris um resto de sol do fundo do teu isolamento.
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