quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sono lento

Cinco da manhã. O meu coração está vazio, mas a minha mente fervilha de sintaxe. A noite, sempre a noite. Não está ninguém. A cidade dorme. Ouve-se, algures, o chilrear dos pássaros. São os primeiros a acordar. Eu, pelo contrário, gostava era de dormir. Não tenho sono. Fumo um cigarro a olhar para o céu (como se o céu tivesse alguma coisa para acrescentar à minha vida).

Há pouco orvalhou. Uma ténue camada de água cobre a rua, os edifícios, a realidade. Adoro água. Por vezes, penso que devia ter nascido peixe. Vaguearia pelo mar, vendo tudo em meu redor pela primeira vez, de 6 em 6 segundos, e esquecer-me-ia desta angustiante realidade de me lembrar, de 3 em 3 segundos, de que não tenho sono. Mas, claro, alguém tinha de estragar tudo e descobrir que, afinal, a memória dos peixes é bem maior do que se pensava. Azar. Agora não vou apagar o que está para trás. Resta-me, portanto, esperar pela onda certa e transformar-me a tempo de te encontrar deitada na praia, numa noite de lua cheia. Sim, pousava a mão no teu rosto, lia o teu olhar, e partiríamos sem palavras para uma noite paralela onde dormir fosse dispensável, e uma alvorada generosa nos cantasse um amanhã por revelar.

Infelizmente, a cidade desperta, e o rebuliço habitual traz-me de volta uma manhã repetida. Os pássaros já não cantam. Mergulho na soporífera multidão, deixo-me levar pela corrente. Posso dormir, finalmente.

Sem comentários: