segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O pequeno Rúben

Cruzaram-se na rua, por acaso. Olharam-se demoradamente, como que absorvendo pequenas metamorfoses - fazia anos que não se viam.

Ela sempre tivera um sorriso escondido na face. Mesmo nas palavras frias, conseguia ver-se numa qualquer expressão incontida aquele sorriso, por vezes meio sorriso, um esboço, que fosse. E isso, a ele, bastava-lhe, mais do que qualquer palavra. Na verdade, raramente havia grandes palavras. Em vez disso, gestos que se soltavam de onde menos se esperava e pairavam sobre eles num silêncio provocador. Então, tudo acontecia muito rapidamente, como se uma fenda no tempo os transportasse para fora de onde quer que estivessem, e devoravam-se com a avidez do primeiro encontro, quando tudo ainda está por descobrir. Depois, tudo voltava ao ritmo lento dos seus dias, entre conversas de café e passeios contemplativos à beira-mar. Nunca dera grande importância a esses pequenos momentos. Hoje vê-os como o que de mais próximo pode haver da felicidade.

(Será a felicidade assim tão banal?) Aquele pensamento súbito e contraditório fê-lo regressar àquela rua antiga onde, por acaso, se encontraram. Trocaram palavras breves. Ela havia casado; falou-lhe do pequeno Rúben, que tinha agora seis anos - a vida parecia correr-lhe bem. Sentiu-se feliz por ela, mas ao mesmo tempo invadido por uma estranha melancolia. Sentiu que os momentos que ainda há pouco recordava deixaram de ser exclusivamente seus, talvez até totalmente. Eram agora pertença de outro e do pequeno Rúben. Ela perguntou-lhe o que era feito dele, de sua vida. Que estava óptimo, que também ele tinha casado e mudado para uma casa maior, que ocupava agora um cargo de maior responsabilidade na empresa (enfim, feliz e contributário, como um bom chefe de família). Puderam, então, despedir-se (mais uma vez, talvez para sempre), e foi então que ele percebeu que pela primeira vez lhe havia mentido (mentido com quantos dentes tinha).

A noite caíra sem aviso prévio. Na sua mente ecoavam ainda as palavras de Margarida. Imaginou-a com o filho nos braços, um miúdo que poderia perfeitamente ser dele. O seu futuro, a sua felicidade entregues ao desconhecido. Uma parte dele morreu ali, naquela rua desencantada, debaixo de um céu sem lugar para estrelas. A outra procurou o bar mais próximo. Era tempo de esquecer o pequeno Rúben e brindar ao que sobrava de si.

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