domingo, 22 de abril de 2012

Verdade ou consequência

Quando eu era miúdo, no tempo em que os Duran Duran e as palas no cabelo preenchiam o meu imaginário (na pré-história, portanto), eu e os meus amigos da escola costumávamos jogar ao verdade ou consequência, e as consequências eram, invariavelmente, os linguados da Inês. O primeiro beijo que eu dei foi assim, enrolado numa língua matreira, até perder completamente o pio. Fiquei zonzo. Nas noites seguintes, tive pesadelos eróticos. Sonhava com a língua da Inês a perseguir-me por ruas estreitas e sensuais, para me devorar. Por vezes, o desconhecido é assustadoramente belo. Outras vezes, é só assustador.

Entretanto, o miúdo cresceu, provou outras línguas, quentes e saborosas, frias e afiadas. O medo da Inês deu lugar à paixão pela Vânia, ao amor pela Margarida e à inevitável desilusão de todos nós. Por vezes, desejo voltar àquele sonho, em que para escapar me bastava acordar. Assim, tipo: fico cá enquanto gostar, sem promessas nem desilusões. Quando a coisa estiver prestes a descambar, acordo. E pronto, assunto resolvido. Infelizmente, tal não é possível: nem regressar ao passado, nem escapar do presente, pelo menos, com a mesma facilidade com que se acorda de um sonho. E acreditem que eu já tentei. Ainda há bem pouco tempo, enquanto uma bela Manuela, que uma noite vazia e uma garrafa de Whisky cheia fizeram o favor de me apresentar, me recitava a sua extensa lista de desilusões, eu ia-me beliscando, tentando escapar daquele pesadelo. É claro que não acordei de coisa nenhuma e, no fim, para além de duas orelhas a arder, fiquei com a camisola da selecção croata tatuada no corpo. Uma cena verdadeiramente triste. Adiante. Não percebo esta sede de promessas que as pessoas têm. É como se só prometendo antecipadamente seja possível estar no local certo, na hora exacta, sempre que é preciso. Prometeste, agora, não podes falhar. É uma ilusão, e as pessoas precisam de ilusões. Nada a fazer. Eu prefiro estar lá. E que estejam cá. Sei que nem sempre isso é possível. Por isso, não quero promessas. Chega de palavras.

E tudo isto por causa da língua da Inês. Cada vez gosto mais da Inês. Não dizia nada e, quando dávamos por ela, já tínhamos sido engolidos. Um dia caso-me com uma mulher assim. Prometo.

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