quarta-feira, 8 de abril de 2009
Os turistas
Lá estava eu, entretido a preocupar-me com a despreocupação dos outros que iam passando, quando dois turistas me pediram para lhes tirar uma fotografia. Fizeram a pose habitual do casal envolto na paixão que as férias e o calor do Verão reacendem - estavam prontos, sem dúvida. Segurei a máquina fotográfica, encostei o olho no visor e, de repente, vi-me do outro lado, abraçado aos sonhos da adolescência que nenhuma fotografia conseguiu guardar - memórias por revelar, talvez. Era notória a impaciência dos turistas, que acenavam fora do alcance da objectiva; mas o meu objectivo era outro, e fui rodando a máquina fotográfica, como uma criança à procura dos porquês.
Cá estava eu, despreocupado perante a preocupação dos outros; um deles, aproximou-se e, enquanto recitava qualquer coisa que preferi entender como um "obrigado", arrancou-me a máquina das mãos - quase me apeteceu chorar, e talvez tenha feito birra, não me recordo bem; do que me lembro, por outro lado, é de a ter ouvido disparar, algures, mas não faço a mínima ideia do que aparecerá na fotografia. Ora, como tinha mais com que me preocupar, pus-me, de novo, a observar a despreocupação dos outros que iam passando.
Cá estava eu, despreocupado perante a preocupação dos outros; um deles, aproximou-se e, enquanto recitava qualquer coisa que preferi entender como um "obrigado", arrancou-me a máquina das mãos - quase me apeteceu chorar, e talvez tenha feito birra, não me recordo bem; do que me lembro, por outro lado, é de a ter ouvido disparar, algures, mas não faço a mínima ideia do que aparecerá na fotografia. Ora, como tinha mais com que me preocupar, pus-me, de novo, a observar a despreocupação dos outros que iam passando.
domingo, 5 de abril de 2009
De la musique - Pixies
Tema: Where Is My Mind?
Intérprete: Pixies
Álbum: Surfer Rosa (1988)
As imagens são de Fight Club, um filme intenso de David Fincher, realizador de Seven (um dos meus filmes preferidos) e de The Game.
Em frente mora nenhures
Focos de luzes bêbadas rasgam a noite;
para trás, a orgia da música e dos corpos,
e alguém desce em direcção ao mar.
Desce, desce que não chega, a projecção de si próprio,
figura sinuosa feita de rum e de tabaco.
Abram alas para o silente sopro dos náufragos:
em frente mora nenhures.
para trás, a orgia da música e dos corpos,
e alguém desce em direcção ao mar.
Desce, desce que não chega, a projecção de si próprio,
figura sinuosa feita de rum e de tabaco.
Abram alas para o silente sopro dos náufragos:
em frente mora nenhures.
Sem retorno
Encarou a placa onde outrora refulgiam promessas de destino certo. As letras haviam caído, sobrava apenas um rumor de sílabas, coberto pela fuligem dos sonhos. Dois passos à frente, uma porta sem número, um edifício em ruínas. Um fogo súbito gelou-o. Quis desesperadamente arder, recuperar o rubro dos lábios, o suco da carne, cálido, inebriante... gélido, um rosto mortiço olhando-o em silêncio... a brisa dos dedos calando tudo em seu redor, os olhos magos enganando o tempo... o grito ensurdecedor da sepa-
ração, a sombra dilacerante de um vulto que parte. Correu, fugiu alucinadamente daquela imagem inconstante. Ruas, esquinas, vultos, gestos, ecos, sombras, silêncio, noite, de novo a noite e o silêncio, e a mesma rua, e a mesma porta, e as paredes estreitas, claustrofóbicas, e uma cama vazia, e este corpo rasgado, espalhado pelo chão.
ração, a sombra dilacerante de um vulto que parte. Correu, fugiu alucinadamente daquela imagem inconstante. Ruas, esquinas, vultos, gestos, ecos, sombras, silêncio, noite, de novo a noite e o silêncio, e a mesma rua, e a mesma porta, e as paredes estreitas, claustrofóbicas, e uma cama vazia, e este corpo rasgado, espalhado pelo chão.
Siga
Pára, buzina, arranca.
Tanta pressa de chegares algures.
O relógio marca sete em ponto de chocolate.
Hora de mágicos ganzaços. Vêem-se coisas.
A não perder. Vêem-se coisas.
Vestem-se cantos curtos de sereias, ao anoitecer.
As mãos vagueiam pelos bolsos, ao anoitecer.
Um dedo ergue-se, ao anoitecer,
e pergunta, cheio de poesia: quanto é?
É, no rumoroso anoitecer, acendem-se luzes e sinais
- tantos pontos cardeais, tantos pontos cardeais!
Acidamente, todos eles convergem para a Xploit.
E os corpos dançam - vêem-se coisas - os corpos suam,
os corpos bebem, bebem segredos de licor.
Romanticamente, alguém pergunta: queres?
Quero - o verso abrupto -, e os corpos rolam.
Os corpos rulam, acidamente. Sex rules!
E mais, que se vê mais?
O gHiclógio marca séSnifte em ponto de cocalate.
Pára, buzina, arranca.
Tanta pressa de chegares algures.
O relógio marca sete em ponto de chocolate.
Hora de mágicos ganzaços. Vêem-se coisas.
A não perder. Vêem-se coisas.
Vestem-se cantos curtos de sereias, ao anoitecer.
As mãos vagueiam pelos bolsos, ao anoitecer.
Um dedo ergue-se, ao anoitecer,
e pergunta, cheio de poesia: quanto é?
É, no rumoroso anoitecer, acendem-se luzes e sinais
- tantos pontos cardeais, tantos pontos cardeais!
Acidamente, todos eles convergem para a Xploit.
E os corpos dançam - vêem-se coisas - os corpos suam,
os corpos bebem, bebem segredos de licor.
Romanticamente, alguém pergunta: queres?
Quero - o verso abrupto -, e os corpos rolam.
Os corpos rulam, acidamente. Sex rules!
E mais, que se vê mais?
O gHiclógio marca séSnifte em ponto de cocalate.
Pára, buzina, arranca.
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Invicta
A praça de Mouzinho de Albuquerque.
De frente para um Península parcialmente coberto de verde (as árvores abundam por aqui - abundam... enfim, no meio de tanto betão, até uma árvore parece uma floresta), dou comigo a perguntar-me o que faz esta estátua de fardas e canhões, plantada no meio do jardim. O leão esmagando a águia, uma data distante, o brasão da cidade... desta Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto.
Desta Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto... (Oh, valha-me Nossa Senhora!) De onde vem, então, este fragor de máquinas, este rumor de injúrias, este grito de guerra que todos os dias invade, pela manhã, esta cidade de epítetos e de lendas? Antigamente... sim, antigamente - antes ainda desse célebre ano de 1809 -, quando se construíam no Douro as naus das grandes conquistas, que levariam a carne e deixariam as tripas... «Valeu a pena?» Que sei eu disso? Que sei eu destes sacrifícios de outrora, deste cenário de guerra aqui enraizado, desta máscara de destemor e indolência no rosto dos soldados?
Uma criança Antiga pede esmola pelas ruas, e o Mui Nobre cidadão atira-lhe a moeda da purificação. A Sempre Leal esposa planeia o fim-de-semana com o amante casado. O operário recebe o ordenado miserável das garras do patrão... Recebeu, mas não gastou, porque o amigo do alheio teve a gentileza de lhe aliviar a bolsa Invicta. E, já agora, eu (não sei se santo ou se crente), que mais não faço do que apontar o dedo a tudo. Que ergam estátuas que nos detenham a todos, e mais estátuas para que se celebre esse feito. Que pintem símbolos pelas casas para que reluzam de noite, enquanto todos dormem. Todos? Não, nem todos, que lá do alto Ele observa, atento, este caos em harmonia, este pão esmagado, dia-a-dia desta Cidade (da) Virgem.
Desta Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto... (Oh, valha-me Nossa Senhora!) De onde vem, então, este fragor de máquinas, este rumor de injúrias, este grito de guerra que todos os dias invade, pela manhã, esta cidade de epítetos e de lendas? Antigamente... sim, antigamente - antes ainda desse célebre ano de 1809 -, quando se construíam no Douro as naus das grandes conquistas, que levariam a carne e deixariam as tripas... «Valeu a pena?» Que sei eu disso? Que sei eu destes sacrifícios de outrora, deste cenário de guerra aqui enraizado, desta máscara de destemor e indolência no rosto dos soldados?
Uma criança Antiga pede esmola pelas ruas, e o Mui Nobre cidadão atira-lhe a moeda da purificação. A Sempre Leal esposa planeia o fim-de-semana com o amante casado. O operário recebe o ordenado miserável das garras do patrão... Recebeu, mas não gastou, porque o amigo do alheio teve a gentileza de lhe aliviar a bolsa Invicta. E, já agora, eu (não sei se santo ou se crente), que mais não faço do que apontar o dedo a tudo. Que ergam estátuas que nos detenham a todos, e mais estátuas para que se celebre esse feito. Que pintem símbolos pelas casas para que reluzam de noite, enquanto todos dormem. Todos? Não, nem todos, que lá do alto Ele observa, atento, este caos em harmonia, este pão esmagado, dia-a-dia desta Cidade (da) Virgem.
De la musique - Louis Armstrong
Tema: What a Wonderful World
Intérprete: Louis Armstrong
Álbum: What a Wonderful World (1968)
Poema a Louis Armstrong
Quando a manhã rebenta,
e com ela todo o alarde da metrópole,
é quando as ruas se entopem de stress,
e as pessoas correm desamparadas
para a rotina de mais um dia.
Quando o chinfrim mecânico das viaturas se confunde
com os insultos programados dos condutores impacientes;
quando as filas para o autocarro crescem caoticamente,
e já todos - qual acesso desvairado de ira e revolta -
cerram os dentes e vomitam fogo pelos olhos;
é quando as pombas pousam no bronze dos heróis petrificados,
e os sinos da igreja tocam.
Quando o sol cai, esgotado,
e os corpos recolhem, atordoados, aos seus lares;
quando os pais, no conforto dos seus sofás,
ressonam aos filhos moralismos e ave-marias;
é quando a TV se entretém com relatos exaustivos
de fome, desgraça e audiências,
e, de seguida, o artista parte o pescoço ao mau da fita,
em mais uma sessão especial.
Quando as portas dos cafés se fecham a medo;
quando ladrões, prostitutas, proxenetas
e um ou outro carro da polícia, que não destoa,
rondam cantos e esquinas da noite;
é quando as discotecas fabricam, em série,
enchidos de adolescência e ecstasy,
e, à porta dos cofres já cheios,
desfalece mais um puto com o rosto desfigurado
por um segurança qualquer
(que no fim do mês recebe a sua comissão,
apetecível, não declarada
e, de quando em vez,
um tiro nos miolos como bónus).
Quando, contagiado com todo este torpor,
eu me deito, insensível, na minha cama,
é quando estendo o braço até ao comando do rádio:
"... and I think to my self: what a wonderful world..."
e com ela todo o alarde da metrópole,
é quando as ruas se entopem de stress,
e as pessoas correm desamparadas
para a rotina de mais um dia.
Quando o chinfrim mecânico das viaturas se confunde
com os insultos programados dos condutores impacientes;
quando as filas para o autocarro crescem caoticamente,
e já todos - qual acesso desvairado de ira e revolta -
cerram os dentes e vomitam fogo pelos olhos;
é quando as pombas pousam no bronze dos heróis petrificados,
e os sinos da igreja tocam.
Quando o sol cai, esgotado,
e os corpos recolhem, atordoados, aos seus lares;
quando os pais, no conforto dos seus sofás,
ressonam aos filhos moralismos e ave-marias;
é quando a TV se entretém com relatos exaustivos
de fome, desgraça e audiências,
e, de seguida, o artista parte o pescoço ao mau da fita,
em mais uma sessão especial.
Quando as portas dos cafés se fecham a medo;
quando ladrões, prostitutas, proxenetas
e um ou outro carro da polícia, que não destoa,
rondam cantos e esquinas da noite;
é quando as discotecas fabricam, em série,
enchidos de adolescência e ecstasy,
e, à porta dos cofres já cheios,
desfalece mais um puto com o rosto desfigurado
por um segurança qualquer
(que no fim do mês recebe a sua comissão,
apetecível, não declarada
e, de quando em vez,
um tiro nos miolos como bónus).
Quando, contagiado com todo este torpor,
eu me deito, insensível, na minha cama,
é quando estendo o braço até ao comando do rádio:
"... and I think to my self: what a wonderful world..."
quarta-feira, 1 de abril de 2009
O mais velho ritual da degradação humana
Desceste a rua.
Estavas ebriamente contagiado pela
leviandade do teu corpo.
Obedientemente o transportaste pelas esquinas,
onde as sombras ocultas da noite o ansiavam.
Viste braços estenderem-se,
como mendigos reclamando por alma;
roupas curtas e palavras inevitavelmente obscenas
sugarem-te da mente as partes meramente resistentes.
Cedeste - há muito que tinhas cedido.
Entraste religiosamente
no mais velho ritual da degradação humana:
escolheste a carne, ela, o quarto,
pagaste, ela deixou-se usar. E
saíste com a perfeita ilusão de seres Homem,
só porque saciada estava a efemeridade do prazer.
Estavas ebriamente contagiado pela
leviandade do teu corpo.
Obedientemente o transportaste pelas esquinas,
onde as sombras ocultas da noite o ansiavam.
Viste braços estenderem-se,
como mendigos reclamando por alma;
roupas curtas e palavras inevitavelmente obscenas
sugarem-te da mente as partes meramente resistentes.
Cedeste - há muito que tinhas cedido.
Entraste religiosamente
no mais velho ritual da degradação humana:
escolheste a carne, ela, o quarto,
pagaste, ela deixou-se usar. E
saíste com a perfeita ilusão de seres Homem,
só porque saciada estava a efemeridade do prazer.
De la musique - David Bowie
Tema: Heroes, Look Back In Anger
Intérprete: David Bowie
Álbum: Christiane F. Wir Kinder [Original Soundtrack] (1982)
Bom dia
Um dos primeiros livros que eu li foi Os Filhos da Droga, a história dramática de Christiane F., uma adolescente que aos 12 anos se viu mergulhada no submundo das drogas. Li o livro apenas uma vez, numa altura em que ainda não tinha maturidade suficiente para assimilar a plenitude da mensagem. Mas guardei, porque me marcaram, os relatos pormenorizados de uma vida agridoce: de um lado, o prazer efémero, o poder ilusório, um universo paralelo onde os problemas do quotidiano não entravam; do outro, o pânico, o desespero, a queda abrupta numa realidade adiada, agravada pela ausência da agulha mágica com a poção milagrosa e... mentirosa. As duas faces de uma moeda maldita e intemporal que muitas vezes se confundiam.
Mais tarde, o livro deu origem a um filme de Udi Edel, com banda sonora de David Bowie, que eu também tive oportunidade de ver.
Infelizmente, o final feliz da história, com Christiane "limpa" de drogas, foi apenas mais um capítulo da vida atormentada de Christiane Vera Felcherinow.
Mais tarde, o livro deu origem a um filme de Udi Edel, com banda sonora de David Bowie, que eu também tive oportunidade de ver.
Infelizmente, o final feliz da história, com Christiane "limpa" de drogas, foi apenas mais um capítulo da vida atormentada de Christiane Vera Felcherinow.
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