sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

De la musique - Jane's Addiction



Tema: Ted, Just Admit It...
Intérprete: Jane's Addiction
Álbum: Nothing's Shocking (1988)

De porta em porta

quando os olhares se tocam
numa melodia tresloucada que vibra nos tímpanos
e vai escorregando garganta abaixo
até que se forme um nó no estômago;

quando as bocas se unem
num mar de saliva que se mistura com o hálito quente
dos narizes que o partilham ofegantemente;

quando, do ritmo demoníaco do sangue que corre para chegar,
saltam as roupas,
como lava de um vulcão em erupção;

quando esse arrepio
que funde a chama no gelo de um tremor
ataca as pernas enroscadas e se perde na cama que os recebe;

quando, nus, os corpos dançam
nas palavras que saem, intraduzíveis,
e os músculos se torcem, implorando o fim do rebuliço;

quando, entre dois cigarros,
se ouve qualquer coisa que ecoa na serenidade estabelecida:
promessas, talvez... umas já feitas, outras por fazer
- todas por cumprir;

quando a porta bate no meio da noite,
deixando no ar a ideia de que alguém saiu sem avisar,
e o que resta não é mais do que uma sonolenta indiferença;

quando... até quando?

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

De la musique - Fuck

Desta vez, só com link (retirado dos headquarters da banda). Era assim ou com publicidade. So... fuck advertising.

Tema: Fuck Motel
Intérprete: Fuck
Álbum: Pardon My French (1997)

Alta fidelidade

Era uma vez uma bela princesa que vivia no reino da fantasia.
Tudo era belo, no reino da fantasia! Sempre Primavera, sempre
sol, sempre o chilrear dos pássaros, no reino da fantasia!
Tão virtuosa era a princesa! E tão esbelto e robusto era o seu
príncipe encantado! Tão felizes eram, no reino da fantasia!

Até que um dia (não se sabe se por obra de Deus ou do diabo),
a princesa bocejou e um rechonchudo bastardo nasceu. Foi o
delíquio geral, no reino da honraria! Caiu o céu sobre
a terra, no fidelíssimo reino!

Não foi fácil resolver o mistério. Todos foram ouvidos, todos
estavam inocentes, no imaculado reino. Até que, depois de
muito reflectir, o iluminado príncipe encontrou a solução:
sortearam-se as cabeças e, no fim, uma rolou - justiça feita,
moralidade reposta, no reino da hipocrisia...

Ainda hoje, sua insaciável alteza boceja de felicidade.
E, todas as noites, ecoam no imaculável reino
suspiros de virgem decorosa e esgares de cabeças dormentes.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

De la musique - The xx

Merry Xxmas!


Tema: Crystalised
Intérprete: The xx
Álbum: XX (2009)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O amor é...

Teoria do romântico:
7 × (o Sol + a Lua + n × as Estrelas + o Infinito)² ÷ a Terra
Em resumo: tudo!

Teoria do realista:
0 × (O sol - a lua - o vento - as estrelas - o infinito)¹ ÷ 3 × a terra
Em resumo: nada.

Teoria do surrealista:
7 × o sOl¹ + 3 × A luA² - o InfiNitO ÷ (aS eStrElAs + A teRRa)
Em resumo...

De la musique - Urban Species



Tema: Spiritual Love
Intérprete: Urban Species
Álbum: Listen (1994)

Três conceitos de amor

I - O pensador

Perguntei ao sonho onde ficava o amor,
disse-me que na primeira porta à esquerda.
Entrei, convicto de que me esperava de braços abertos.
De facto, lá estava de braços abertos para me receber.
Coloquei-lhe todas as questões que havia guardado
cuidadosamente,
e, comovido, respondeu-me:
"Adeus, foi um prazer conhecer-te."


II - O fatalista

O amor é amor,
só enquanto não o entendemos;
depois... é uma chatice.
Mas não quero ser injusto,
há, ainda, alguns sobreviventes
- essa espécie rara -
capazes de dar a própria vida por ele!
Por altura do natal,
decoram religiosamente a casa,
para que, lá dentro, o amor
possa apodrecer com nobreza.


III - O maldizente

O amor? Conheço-o só de vista,
mas era capaz de jurar que mente
- bebe muito, não sabe o que diz.
Se, pelo menos, fosse eterno...
Mas não, de tanto querer servir o Homem,
acabou por lhe apanhar os vícios.
E agora, coitado, ninguém acredita nele.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

De la musique - Yellow Ostrich

Thanks, M.



Tema: Hate Me Soon
Intérprete: Yellow Ostrich
Álbum: The Mistress (2010)

No comments

makezine.com

Lusco-fusco

A foice do horizonte ceifa o sol de um só
golpe. Este, num acesso súbito de agonia,
enrubesce o momento. Então, tudo faz um sentido
inesperado, assustadoramente real! É
o tempo, que se esgota: o mar devorando o
crepúsculo, como se de um simples náufrago
se tratasse, o esbracejar da luz tentando
desesperadamente suster o seu último
fôlego. (Tarde demais... - a vida
jugulada e duas mãos vazias.)
Só a noite e os olhos que a velam sabem
porque jaz este corpo, na praia, sem alma.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Crepúsculo

Um corpo alvorece sobre a praia:
o rosto desbotado,
os olhos de um silêncio inesgotável,
as mãos arrastando a bruma,
os cabelos erguendo as vagas...
Ainda correm pela areia resquícios de inocência:
braços atados, lábios conspirando contra o tempo,
num crepúsculo ilusoriamente sustentado...
Um corpo esmorece sobre a lentidão do dia...
Cai-lhe da boca a última gota desse sangue.
E num derradeiro gesto, fútil, fugaz friesta
que a noite toma, esvai-se na sombra
de uma lua amarrotada.

sábado, 11 de dezembro de 2010

De la musique - The National



Tema: Thirsty
Intérprete: The National
Álbum: Sad Songs for Dirty Lovers (2003)

Sede

Foco ao longe os primeiros traços da manhã
e tenho sede. Sede
de colher dos teus lábios o torpor das palavras,
da preguiça com que íamos tecendo a rede
que ainda hoje nos prende.
Ardem-me os olhos de te ver no vazio dos lençóis,
de perseguir a inexactidão dos dedos,
perpassando os espaços, esboçando as curvas
desse teu corpo feito de ausência, feito
desta sede inenarrável. Como apagar-te, ó imagem,
película que no jazigo do tempo oscilas?
Como saciar-te?

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A melancolia da harmonia

A nostalgia deste dó menor
- súbito baixo, decandente sol -
rompe a fronteira, grave e fulgurante.
Ardem as chamas na memória viva,
batem, nas têmporas, folhas caídas.

Faz-se silêncio, toca o saxofone
na noite fria, e já ninguém responde.
Estende ao vento o seu ardor vibrante,
esboça à sorte histórias de outro azar
- não tem guarida para o seu pesar.

Eu, nesta inóspita visão, prefiro
imaginar o som. Bebo e respiro
as notas do piano: ar ofegante,
melancolia, mais do que a harmonia,
traz-me à garganta o pão de cada dia.

E sigo e volto em vozes que me alertam,
dizem-me coisas - ah!, será que acertam?
Se não me enganam, ouço-as expectante,
ou se me mentem, finjo que não sei;
mas, sóbrio, o fel impõe a sua lei.

Percorro, à toa, o rol dos instrumentos,
fazem o mesmo: trazem-me lamentos.
Nem sei se escuto, encontro-me hesitante...
Rebusco os cantos das ideias cheias
- como evitá-las, se são tão certeiras?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

De la musique - John Coltrane

Por falar em água...



Tema: After the Rain
Intérprete: John Coltrane
Álbum: Impressions (1963)

Eram os teus olhos

eram os teus olhos,
os teus olhos,
os teus olhos de água...
«problemas de visão? Costela de Adão oculista!
a mais vasta gama de produtos ópticos ao seu dispor!»
... mel! isso! eram os teus olhos de...
«tosse? irritação das cordas vocais?
AspirinaH com mel! duas ao deitar e até sonha com abelhas!»
... err... fel?
«Fellllistiano Mateus! conselheiro matrimonial
de alto gabarito e absoluta honradez profissional!»
... olhos de... de... (bah...)
«vá, não perca tempo! e porque tempo é dinheiro,
a Funerária do Bujão reserva-lhe desde já o seu caixão!»
...
(ou, algures, alguém tinha algo para dizer?)

Bom dia

Ouvi dizer (não sei se é verdade) que a inspiração dos autores deste blogue foi ali e vem já (podem sentar-se, caros leitores, que pagam o mesmo). Enquanto vai e não volta, deixemos que um momento único de inspiração de Sebastien Tellier quebre o gelo que se instalou esta semana um pouco por todo o lado e ao qual este blogue não escapou.