Dez horas da manhã.
O ténue suspiro do vento empurra-me
para onde não quero ir.
Os passos são curtos, renitentes.
As pernas, cada vez mais trémulas, hesitam.
O coração palpita desenfreadamente
e o ar escapa-se-me
arrastando consigo a pouca lucidez que me resta.
Vou imaginando o que me espera
e milhares de ideias assaltam a minha mente
- tantas hipóteses...
Subitamente, de entre o sussurro das sombras,
surge uma entrada que me faz despertar.
Bato à porta. A espera é infindável.
Ouço passos que se aproximam, firmes.
Recuo, inconscientemente,
tento recordar, à pressa, o que era para dizer.
Abrem-se os confins do tempo,
e, da lonjura, borbotando lentamente,
surge aquele vulto de proporções divinais.
Abro a boca para falar,
mas esta trai-me, e nada mais sai
do que um longo e rotundo silêncio.
Prendo os olhos naquele rosto
que tantas vezes me sorriu,
agora inerte e insensível,
envia-me um olhar intensamente oco.
Penso na imagem que idealizei,
comparo com aquela que está a atirar-me com palavras
que não ouço.
Respiro fundo, estranhamente aliviado.
Volto-me, regresso ao murmurinho das sombras.
E o ténue suspiro do vento empurra-me
para onde não quero ir.