sexta-feira, 30 de julho de 2010

De la musique - Memory Tapes

Directamente de Paredes de Coura para o Desabrigo. Estão a começar, mas já têm algumas músicas agradáveis. Esta é uma delas.



Tema: Stop Talking
Intérprete: Memory Tapes
Álbum: Seek Magic (2009)

Bom fim-de-semana.

Palavras

Palavras que repetem palavras que
atraem palavras que repelem palavras que
- mal-amadas, incompreendidas, que incompreensíveis -
repelem palavras que atraem palavras que
repetem palavras que repetem palavras.

O poeta

Ponto um: o texto não diz nada de substancial.

Ponto dois: o texto não diz nada de substancial.

Ponto três:
o texto

No centro de tudo, a vontade - lia-se - estática e não evolutiva. Mas isto já eu sabia; como saberão muitos outros, mesmo sem visitarem Schopenhauer. O que eu não sabia é que caminho para o Nirvana por tê-la renegado.

Está bom de ver que não sou filósofo, nem pretendo vir a sê-lo. Quando muito, sou poeta. E o que faz o poeta? O poeta ri das suas próprias palavras.

Bem sei que a fronteira entre a genialidade e a loucura é ténue, em alguns casos ilegível. Ora, génio não sou e louco ainda não estou (embora esta parte cause alguma controvérsia). Quando muito, sou poeta, poeta até a exaustão.

Como dizer-vos? É como a atracção pelo abismo de que fala Nietzsche. E quem não é pássaro não deve fazer o seu ninho sobre abismos - acrescenta. O que me leva a concluir que nunca deixarei as palavras, uma vez que fiquei sem asas à nascença - fatalidade.

De qualquer das formas, tudo é mera representação corporal, um retorno eterno à mesma cena, entre metáforas, hipérboles e alegorias. Mas também isto já foi dito. Mais: já foi inclusivamente dito que já tudo foi dito.

Onde cabe o poeta, então? Bem no centro do cenário, sentindo o gélido gume da navalha na garganta. Basta uma brisa para que fale, basta uma brisa para que se cale.

E o que faz depois o poeta? O poeta ri das suas próprias palavras.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

De la musique - LTJ Bukem





Temas: Cosmic Interlude, Constellation
Intérprete: LTJ Bukem
Álbuns: Earth, Vol. 2 (1997); Earth, Vol. 3 (1998)

Ementa lírica

- Boa noite. Então, o senhor já fez a sua escolha?
- Não sei... hoje sinto-me particularmente inspirado, apetece-me
improvisar. Talvez umas batatinhas em flor com um céu estrelado e...
- Não temos.
- Então, uns lombinhos de prazer com uma saladinha de segredos e...
- Lamento, mas a cozinheira é iletrada.
- Olhe, e se fosse assim um petit kiss com um molhinho de sol...
- (Ai, valha-me Deus... Mas agora o cio também dá alucinações?!)
- Como disse?...
- Permita-me que faça uma sugestão: que tal um arrozinho de cabidela,
que é uma verdadeira especialidade aqui da casa? (Em alternativa,
poderá sempre ir comer no...)
- Acho que vou aceitar a sua sugestão.
- Ora, a falar é que a gente se entende. Ah, já agora, aqui
a conta paga-se com o verde do dinheiro e não com o verde da
esperança...
- Meia dose chega perfeitamente.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

No comments


funnyhub.com

De la musique - Kruder & Dorfmeister

Enquanto este inferno não passa, refrescamo-nos com o Inverno e os dias chuvosos da Mia. Eu gosto de chuva, sobretudo no Verão. Não daquela trazida pelo vento e que leva tudo à frente (até porque essa aparece quase sempre no Inverno), mas da que pousa discretamente no fim de uma tarde cansada de sol, sem incomodar ninguém. E se for num destes dias de calor abrasador, sabe que é uma maravilha.



Tema: Trans Fatty Acid
Intérprete: Kruder & Dorfmeister
Álbum: The K&D Sessions (1998)

Não pensar em nada

Não pensar em nada.
Esfarelar nas mãos o que resta do teu corpo.
Riscar do espelho dos teus olhos as imagens do último céu.
Calar no vento a rouquidão da tua voz: "amor?"
Não! Não pensar em nada!
Degolem as flores e enterrem o sol!
Esquartejem a lua e o uivo das estrelas!
Cubram o sangue derramado pelas praias da saudade!
E escrevam na aurora a palavra "verdade"!

Pedra sobre pedra, chaga sobre chaga,
ergue-se o túmulo do existir?
Mais um olhar riscado do mapa?
Menos um rumo, uma maré?
Resistir... Desistir...
Mais uma balança quebrada.
Não. Não pensar em nada.

terça-feira, 27 de julho de 2010

De la musique - The Sound





Temas: I Can't Escape Myself, Resistance
Intérprete: The Sound
Álbum: Jeopardy (1980)

De la musique - Depeche Mode



Tema: Useless
Intérprete: Depeche Mode
Álbum: Ultra (1997)

Inútil

Fora de horas, a noite já moribunda; e penso.
Penso nas máscaras que fui colocando,
de quão inúteis se tornaram com o decorrer do tempo.
Todas as capas são de vidro, quando nos detemos numa esquina qualquer
a observarmo-nos do outro lado da rua, onde supostamente estamos,
eu e todas as faces ridículas, obscuras, moribundas
como a noite, fora de horas; e penso.
Penso em todos os rumos que poderia ter tomado e não tomei - inútil;
penso em todos os instantes (seize the day) que perco,
quando, do outro lado da rua, passo a noite observando-me
em pensamentos moribundos como a noite, fora de horas;
e penso - mais inútil, ainda - no porvir, com uma desesperança
que sufoca quase tanto como a esperança que um dia senti, inutilmente.
Tão inútil. Tão inútil venerar o inútil.
Tão inútil saber o quão inútil é venerar o inútil.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

De la musique - Bowery Electric



Tema: Coming Down
Intérprete: Bowery Electric
Álbum: Beat (1996)

O abismo no fim da luz

Dizem-me para olhar para a luz:
«ei-la, a luz: a rosa que desponta do silêncio das pedras».
Dizem-me para ter cuidado com o abismo:
«...[ou ele] também olhará para dentro de ti».
Dizem-me isto e aquilo, e isso, e o que resta.
Já estou farto de que me indiquem caminhos!
Farto de os percorrer empurrado e arrastado, sem que saia do mesmo sítio!
A luz?! O abismo?!
Onde estão, que nada vejo?!
E depois?! Quem disse que eu queria ver o que quer que fosse?!
Já estou farto de filósofos, de psicólogos e de crentes!
Já me bastam a mim as voltas que dou sozinho!
Vêm-me agora com teorias-terapias, com pseudo-soluções...
Tenho-as todas aqui, à minha frente, no papel!
Tudo bem arrumadinho, com índice de pesquisa e tudo!
De que me serve isso?! De que me servem as filosofias ancestrais?!
É na prática que tudo se define. Quem define? Sei lá eu!
O idoso pousa um pé na rua e é atropelado. De quem é a culpa?
Façam os cálculos...
Chamem físicos e matemáticos para ajudarem a resolver o problema!
E lembrem-se do caracol que atrasou o automobilista, faz hoje 6 anos,
e de que tudo mudou, desde então.
A criança não comeu a sopa toda, saiu mais cedo e foi violada.
Mais uma colher de sopa e teria sido feliz para sempre?
Façam os cálculos... Para todo o sempre? Não.
Façam antes a previsão do estado da vida para as próximas vinte e quatro horas.
Isso... muito sol com o destino todo nas nossas mãos...
Tudo convertido em segundos.
Carpe diem, seize the day, aproveitar o tempo...
Mas qual? Esse vazio que ainda agora por aqui passava?
Ou esse vazio que já lá vem?
O dos outros? Está bem, dêem-me lá desse tempo.
Em pacotes de cem gramas, se puder ser...
E com revestimento à prova de desamor, já agora.
Sim, ponham na conta... De quem? Não compliquem!
Afinal, de quem é o tempo?

A  luz          A  luz          A luz          A  luz        A  luz
O—————A——BI————S——————M—O———
Bµµµµµµ! (Bµµµµµµ?) Bµ. (Bµ?)
Bµ! foda-se!, e não se fala mais nisso!
(Foda-se?) Ora bolas, lá se vai a literatura...
Paciência, vai mesmo assim em formato light.
(Faltou-me o quê para ver que lado?)

Bom dia

Semana de obras (antigas, intemporais) nessa estrada que é a vida. Cuidado com os buracos (e com os desabafos).

domingo, 25 de julho de 2010

De la musique - Morcheeba



Tema: The Sea
Intérprete: Morcheeba
Álbum: Big Calm (1998)

Quis fazer do mar um poema

Quis fazer do mar um poema,
ao olhá-lo, assim, percebi.
Fui ouvindo, bebendo, idealizando:
da espuma, o papel;
da água, a maciez que o inunda.
Depois, o reflexo do sol,
nas ondas, no verso e reverso do que for escrevendo.
A brisa, maresia na última letra de cada palavra,
para que a prosa flua nos ouvidos de quem lê.
Ainda, o submerso, não visível, desvendado
pelo imaginário dos que exploram para além dos sentidos.

Mas a cidade chama, sem chama:
"more hassles fuss and lies on the phone"?

Quis fazer do mar um poema,
ao afastar-me, assim, percebi.

Bom dia

Detesto estes dias de calor extremo. Mas há um sítio que me faz esquecê-lo.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

De la musique - St. Germain



Tema: Sure Thing
Intérprete: St. Germain
Álbum: Tourist (2000)

Bom dia

Ou melhor, boa noite... e bom fim-de-semana!

A previsibilidade do inferno

Trazia um semblante inquietantemente sereno:
um anjo em cada olho e o demónio no olhar.
Encará-la feria-me e apaziguava-me - confundia-me.
A pose, inalterável, impiedosa, deixava
antever o rebuliço que se seguiria;
contudo, havia ainda um rasto de gelo
no murmúrio das palavras que fundiam as
nossas mentes - como se medissem forças.
Pairava no ar a ideia
de que chegara o momento da questão crucial;
aquela que definiria, no instante
seguinte, todo o futuro que nos fora reservado.
Um mero lapso de lucidez, enfim
- sugara-me já da boca qualquer esboço de fonema.
E, mais uma vez, salvo pela efemeridade do
céu, dilacerado pela previsibilidade do inferno.

De la musique - Piano Magic



Tema: Saint Marie
Intérprete: Piano Magic
Álbum: The Troubled Sleep of Piano Magic (2003)

O travo nítido do céu

Mas que estranho modo esse de me olhares...
como se um raio de sol rompesse a quietude das
sombras e desse vida às folhas caídas do Outono. Tu,
que há tanto tempo sopraste a chama do sentir,
porque me estendes, agora, os braços da manhã?
Não vês que me fere a insustentável beleza de sonhar?
(Ouvidos surdos, palavras vãs - lá vou eu...)
Ergo-me do réptil cansaço das questões e bebo,
dos lábios do horizonte, o travo nítido do céu.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ma´temática

É uma questão de física,
atracção-física:
cálculos frios
entre aromas de veneno quentes...
enfim, ma´temática.
Ainda assim, (con)sidero a ideia
com pre-cisão:
probabilidade de acontecermos -
oportunidades favoráveis
sobre delícias (im)possíveis;
(não pode ser, recomecemos)
aceleração da pulsação -
velocidade alternada dos corpos
sobre o tempo (a)variado;
(vamos lá, precisão, querida,
pre-cisão!)
seria suposto o solo (a)trair-nos
- diz a gravidade (da situação);
mas, se assim é,
porque nos erguemos nós nos céus
(des)amparados?
Algum erro de (pre)visão, certamente.
Enfim, ma´temática...

Poema

itos aer sptosuo res mu oepma
(mas entretanto perdi-me)

De la musique - Dead Can Dance



Tema: The Carnival Is Over
Intérprete: Dead Can Dance
Álbum: Into the Labyrinth (1993)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

De la musique - Radiohead

Estes também são como o vinho do Porto (e hão-de voltar cá mais vezes).



Tema: Creep
Intérprete: Radiohead
Álbum: Pablo Honey (1993)

Nevoeiro

O nevoeiro invadiu a noite. Sempre me fascinou andar na rua rodeado por esta espécie de slow motion que semicobre tudo o que a vista alcança. É como se o meu mundo regressasse às suas origens, ao momento em que alguém (sabe-se lá porquê) decidiu pintá-lo com dedos de água.

»Bom dia, Menina Cujas Formas Parecem Ser As Da Mulher Dos Meus Sonhos.« «Bom dia, Não Sei Quem És Mas Era Capaz De Jurar Que Te Amo.» É tão simpática esta faceta da vida. Mais à frente, alguém vende futuro à medida. «Meu caro amigo - posso tratá-lo assim, não posso? -, defina aqui o seu destino.» »I want a perfect body, I want a perfect soul. E, já agora, inspiração para levar este texto a bom porto.«

Fez-se silêncio. O nevoeiro começou a dissipar-se, lentamente. A rua está vazia, e a mulher dos meus sonhos continua algures, numa noite de névoa. Não tenho alma (nem calma) nem corpo perfeitos. Mas tenho uma garrafa de Porto em casa. Do bom.

Bom dia

Hoje não comi um iogurte de morango. Mas adoro nevoeiro.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Trailer - Manobra perigosa

O problema é quando dois estranhos mundos colidem.

Foi o que aconteceu num filme que eu vi recentemente. Manobra Perigosa (Changing Lanes), de Roger Michell, com Ben Affleck e Samuel L. Jackson, é um thriller de desfecho imprevisível e que nos prende desde o primeiro momento.

A acção desenrola-se num só dia e mostra-nos como, de repente, a nossa vida se pode transformar num caos, mas, ao mesmo tempo, fazer-nos despertar, conhecer uma parte de nós que sempre tivemos medo de enfrentar.

Os diálogos são deliciosos. Vou transcrever uma parte da reflexão final de uma das personagens:

"É como ir à praia, ir até à água, que está fria, e não temos a certeza de entrar.
Há uma rapariga bonita ali perto.
Ela também não quer entrar.
Ela vê-nos.
E nós sabemos que, se lhe perguntássemos o nome, nunca mais a deixaríamos.
Esquecíamos a vida, a pessoa com quem tínhamos vindo.
Deixávamos a praia com ela.
E, depois desse dia, recordamo-nos dela.
Não todos os dias ou todas as semanas.
Ela vem-nos à memória.
É a memória de outra vida que podíamos ter tido.
O dia de hoje é essa rapariga."

Let's look at the trailer.




Fica a sugestão.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

De la musique - Morphine



Temas: You Speak My Language, Honey White
Intérprete: Morphine
Álbuns: Good (1992), Honey White (1995)

O teu estranho mundo...

... não é muito diferente do meu estranho mundo.
Quando dois estranhos mundos se encontram,
o mundo torna-se num lugar menos estranho.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

De la musique - The Cinematic Orchestra



Tema: To Build a Home
Intérprete: The Cinematic Orchestra
Álbum: Ma Fleur (2007)

Rosto

a boca

ponto de encontro
de salivas absortas
remanso
de beijos exaustos

os olhos

mel
de pensamentos tragados
refúgio
das palavras não ditas

os cabelos

rios
de negritude selvagem
ondas
de quebranto airado

esboço
no livro das memórias
o teu rosto
arrumo-te
nos confins do tempo
mas sempre me voltas

à boca

interminável

De la musique - Jorge Palma



Tema: Essa miúda
Intérprete: Jorge Palma
Álbum: Qualquer Coisa Pá Música (1979)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

De la musique - Four Tet



Tema: Unspoken
Intérprete: Four Tet
Álbum: Rounds (2003)

Converseta

Tem, de facto, uns olhos bonitos. O problema é que se calam, quando
fala. Quer dizer, o problema é que ela fala... E muito.
Ainda há pouco, sentámo-nos na esplanada, e logo começou a disparar:
que a irmã era parecidíssima com ela, em tudo... e em tudo; que
Patusco, seu cão - um caniche rebelde e, supostamente, amoroso -,
havia crescido e já não lhe fazia companhia nos dias mais solitários
(teria perdido a paciência?); ainda, sobre as venturas e desventuras
pelas discotecas mais badaladas da cidade (conhecia-as todas...
um verdadeiro prodígio, a sua memória); e de mais não me lembro.
Agora, gostava era de conhecer a irmã. Talvez fosse, realmente,
parecida com a outra e talvez falasse menos. Sim... daríamos as mãos
em silêncio e, quiçá, até uivássemos com os lobos, em noites de lua
cheia. Mas palavras, nada; as palavras aborrecem. Quase tanto como
as venturas e desventuras pelas discotecas da cidade. E, como eram
parecidíssimas, suponho que a coisa lá fosse dar, mais volta, menos
volta. Resta-me, então, o Patusco, embora não goste muito de cães;
especialmente quando ladram muito. E, além do mais, Patusco é nome
de gato. Sim, prefiro os gatos: ladram menos, gostam de pássaros e
de peixes, e trazem no olhar o mistério de sete mares. Ou melhor,
seis; pois que um deles é este aqui, já meio morto, fitando algo
que ainda mexe ao longe (provavelmente, pensando: tens uns olhos
tão lindos... se, pelo menos, te calasses).

terça-feira, 13 de julho de 2010

Lugares-comuns

À saída de casa, pela manhã:
'E se um desconhecido de repente lhe oferecesse...'
'Não estou interessada.'
'Um belo dia, eu diria. A condizer com a sua rara beleza,
se me permite o elog...'
'Taxi!'
'(Damn! What a woman!)'

Algumas horas depois, no restaurante:
'Ora, se não é o destino que nos junta... Também costuma
almoçar por aqui?'
'Sozinha. Sim. E tão tarde que é. Garçon!'
'Então, vêmo-nos por aí, não é verdade?'
'Com o azar com que ando...'
'Casar? Também não é caso para tanto... aH aH aH'
'E tem piada, vejam só. Adeus.'

Ao balcão:
'Encantadora, não acha?'
'E simpática!'
'Cá entre nós, acho que tem um fraquinho por mim.'
'Não é coisa que se desperdice.'
'Faz-se o que se pode, faz-se o que se pode...'

No elevador, ao fim da tarde:
'Querida, esqueci-me da chave.'
'Pois claro... para variar.'
'Olá! Então, esta é que é a senhora sua esposa? Realmente...'
'Err... s... ah ah pois com certeza. E o marido está bonzinho?'
'Sabe bem que não sou casada. Disse-lho hoje ao almoço, ou
já não se lembra?'
'Sssim, vagamente. Dê-lhe cumprimentos meus, então. Vê lá
se tens a chave, filha.'

Já em casa:
'Realmente? O que é que a peitos de silicone queria dizer com aquilo?
Ao almoço?! Nadamos em intimidades, é?'
'Uma chata. Bebe muito e depois fala pelos cotovelos... Tive de
deixá-la a falar sozinha.'
'Estou a ver, estou...'
'Pois. E se mandássemos vir pizza?

No dia seguinte, no elevador:
\pose de executivo\
(.)Provocadora(.)
/pose de militar/
( . )Mais provocadora( . )
'hmmfffssssguuguudaada' - intraduzível.

No elevador (sentido oposto), na parede, no chão, no sofá, no chão,
na cama, na varanda, na cozinha, no microondas... (enfim, talvez
a história já vá larga. O melhor é passarmos ao depois.)

Depois:
'Que tanso. Tantas garras e parecias um gatinho. Espelho meu,
espelho meu, quem me resiste senão eu?'
'Ai tanto, ai tanto para contar no escritório. Ninfomaníaca, no mínimo!
Roam-se de inveja! Aqui o je domou a fera.'

Post scriptum:
Post squê? Ah, sim, claro. Ora, evidentemente que teríamos pano para...
(Abreviando, abreviando...)
Abreviando, nada de novo a bombordo.
'Nada de novo a bombordo? NADA DE NOVO A BOMBORDO?!'
'Hum? Mas...'
'Então, e eu?! Há excepções, sabes? Honrosas excepções!'
'Ah estavas aí... mas era só um textozinho insignificante... cheio
de hipérboles, de clichés...'
'Pois, pois... Eu já conheço o texto todo...'
'Fiques assim, florzinha... Não era para levar a sério...'
'É às florzinhas, é... Logo dormes no sofá.'

De la musique - Kid Koala



Tema: Barhopper 1
Intérprete: Kid Koala
Álbum: Carpal Tunnel Syndrome (2000)

Bom dia

How would you like to spank somebody?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Identidade

Olha para fora de si e o que vê é o reflexo do que dentro de si existe. No entanto, quando olha para dentro de si, o que vê não é mais do que o reflexo do que existe fora de si.

Nem sempre foi assim, este jogo de palavras e de espelhos que mais não fazem do que empurrar imagens de um lado para o outro. Sim, alturas houve em que existiam janelas e, para além destas, a transparência da descoberta. Ou assim o imaginava. Com o passar do tempo, a limpidez do vidro tornou-se baça, impenetrável, reflectiva. O que nos traz de volta aos espelhos.

Mas deixemos, por agora, a velha história do ovo e da galinha. Tudo começou quando alguém mais incomodado com algo que ele disse, logo se apressou a rotulá-lo: «loucura!» »Meras palavras desconexas, consequência de alguma perturbação psíquica?« - interrogou-se. Lembrou-se do que pensou quando, ininterruptamente, leu o Passagem das Horas, de Álvaro de Campos: »por quantos estados de loucura será preciso passar para dizer qualquer coisa deste género?« Sentiu-se infinitamente pequeno, mas, ao mesmo tempo, desmedidamente lúcido.

De facto, talvez seja mais fácil apelidarmos os outros de loucos, quando o que ouvimos nos incomoda. Bem menos penoso do que medirmos sentimentos, distinguirmos realidades e, com isso, corrermos o risco de descobrirmos alguma ponta de verdade em palavras semelhantes, alojadas dentro de nós. Para quê desenterrar os mortos, reviver pesadelos, ser de novo marioneta nesse jogo viciado de reflexos? A abstracção é um mecanismo de defesa bastante eficaz. Também ele chegou a essa conclusão.

Por vezes, idealiza um tempo regressivo, um espaço em implosão constante, uma espécie de catabolismo permanente, na esperança de que daí surja, sem qualquer dúvida, uma identidade. Nunca o conseguiu. Talvez lhe falte alguma perturbação psíquica específica para lá chegar. Ainda leu os primeiros capítulos de A Identidade, de Milan Kundera, mas o que conseguiu foi precisamente o contrário daquilo que pretendia. Encerrou o livro ao capítulo 7, antecipou um final trágico e arrumou com o assunto.

Talvez seja este o seu maior problema: antecipar finais trágicos. Sim, porque não imaginar um final feliz para aquele pobre casal, cuja insegurança o mergulhava em questões existenciais? Com certeza que concordarão comigo. Como não concordar comigo numa coisa destas? Até ele próprio, que aqui e agora vou retratando, havia de concordar comigo, se me ouvisse.

Uma vez confessou-me que era nas palavras que mais contestava que procurava um argumento sólido que subitamente desfizesse toda a sua teia de questões complexas. Mas presumo que seria preciso que tais palavras se materializassem para que as ouvisse ou visse, deveras. »Ver para querer? Não, ter para crer« - concluiu. O que não é nada fácil, diga-se, pois para ter há que crer... e querer.

É um ciclo vicioso que, à semelhança dos espelhos, nos faz dar voltas e mais voltas, até que alguém nos chame loucos (ou simplesmente nos ignore - também a indiferença é um mecanismo de defesa extremamente eficaz). Assim, não foi de estranhar que tivesse abandonado o texto logo nas primeiras linhas, e, indiferente ao que quer que fosse, tivesse partido para a abstracção.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Lista de compras (perdão, conselhos)

Nascer. (esta é uma parte indispensável)
Mamar, comer a sopa toda, ter as vacinas em dia.
Ir à escola, saber a tabuada, correr muito no recreio.
Namorar cedo, mas com cabeça. E com preservativo.
Cuidado com as doenças. E com as drogas: as drogas matam.
Em vez disso, fazer desporto. Sim, pode ser correr muito no recreio.
Da escola. Não largar a escola. Não ver demasiada televisão.
Em vez disso, ler. Evitar Álvaro de Campos - demasiado deprimente.
Internet: 1h59min59s - tempo diário máximo permitido.
(a partir das duas horas fica-se viciado) Nada de vícios.
Nada de sites pornográficos. Sexo, só com preservativo. (convém repetir)
E só depois de ir ao cinema com muitos amigos e pipocas.
Nos intervalos da namorada. Não deixar de ter namorada.
Ou melhor, levar a namorada. Sim, sexo, só com a namorada.
E com preservativo. (convém repetir o repetido e já te começas a perder)
Acabar a escola, arranjar emprego certo, apaixonar-se e casar.
(ou era ao contrário? confesso que esta parte não decorei muito bem)
Ter poucos filhos. Educá-los bem. (este texto pode ser uma boa ajuda)
Evitar o divórcio. Casar de novo. (em caso de dúvida,
esquecer esta parte e seguir em frente)
Sim, para a frente. A vida continua. É verdade. Continuar.
Continuar a continuar. (arre! que não acaba?!)
Ah... sim, morrer. (esta é uma parte inevitável)