A ausência é o primeiro passo para o desdobramento do 'Eu'.
Começas pelo fim, pelo último dia em que sentiste presença.
Exploras esse dia, tomas-lhe o gosto, o seu aroma quente,
a sua voz que vibra. Mas não chega. Então, divides o ontem
em dias mais antigos. Cada um deles guarda uma história,
uma parte de ti que desconheces. Desdobras-te, segues cada um
desses caminhos como se fosses o mesmo. Mas cada caminho
é uma encruzilhada; e, entretanto, mudaste: cada parte de ti
assume a sua independência, imposta e não premeditada. Une-vos
a mesma ânsia de passado, mas não mais do que isso. Supostamente,
esse elo seria a via para uma identidade, mas a árvore alonga-se,
a génese dispersa-se; estás mais longe, quando o que pretendias
era precisamente o inverso. É mais fácil dividir do que reunificar.
E um dia perdes-te. Olhas-te no espelho e não te reconheces.
Sentes a seiva do tempo invadir-te os olhos, traz-te o que não pediste:
uma imagem desfocada, dividida, onde ecos labirínticos habitam.
Encerras a página, já nada faz sentido. Aceitas o apelo irrecusável
da abstracção: está um belo dia de olhos voltados para o mar.
E sorris um resto de sol do fundo do teu isolamento.
terça-feira, 29 de junho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
De la musique - Boards of Canada
Tema: Dawn Chorus
Intérprete: Boards of Canada
Álbum: Geogaddi (2002)
Tema: Dayvan Cowboy
Intérprete: Boards of Canada
Álbum: The Campfire Headphase (2005)
Monólogo a dois
olho em redor:
um céu embaciado, um horizonte fugidio
e o rumor das ondas sobre o areal deserto:
seria pedir-lhe muito que me trouxesse o sol?
com certeza, mais alguma coisa? a lua, talvez...
não queria abusar...
ora essa! quer que embrulhe ou é para comer já?
come-se já. é servido?
não dizia que não...
pois sirva-se!
tragédia! é veneno!
mortos de amor? mortos de tédio?
- suspense... ou nem por isso -
olho em redor:
não há dúvida, estamos sós.
um céu embaciado, um horizonte fugidio
e o rumor das ondas sobre o areal deserto:
seria pedir-lhe muito que me trouxesse o sol?
com certeza, mais alguma coisa? a lua, talvez...
não queria abusar...
ora essa! quer que embrulhe ou é para comer já?
come-se já. é servido?
não dizia que não...
pois sirva-se!
tragédia! é veneno!
mortos de amor? mortos de tédio?
- suspense... ou nem por isso -
olho em redor:
não há dúvida, estamos sós.
sábado, 26 de junho de 2010
System overload
O cenário adensa-se.
Segundo consta, raptaram o sol e pintaram o céu de negro,
para desconsolo do nosso bravo herói,
que sossegadamente sonhava encostado a uma nuvem.
Um erro crasso. Azul Billy the Boy desceu do seu paraíso privado,
espumando-se que nem um louco, rompeu pelo abismo da página
e desapareceu no hipocentro de toda a trama.
Há quem ouça ainda a sua voz, debatendo-se estoicamente:
'get the fuck out of my blue!'.
Cá em cima, porém, tudo jaz indiferente a esta história.
No céu proliferam encontros virtuais e paixões de novela,
numa espécie de expansão natural dos serviços de fast food.
No lugar do sol, um ecrã gigante com informação em tempo real.
Espreitei-o agora mesmo:
'system overload. try rebooting your life' - resplandeceu.
Segundo consta, raptaram o sol e pintaram o céu de negro,
para desconsolo do nosso bravo herói,
que sossegadamente sonhava encostado a uma nuvem.
Um erro crasso. Azul Billy the Boy desceu do seu paraíso privado,
espumando-se que nem um louco, rompeu pelo abismo da página
e desapareceu no hipocentro de toda a trama.
Há quem ouça ainda a sua voz, debatendo-se estoicamente:
'get the fuck out of my blue!'.
Cá em cima, porém, tudo jaz indiferente a esta história.
No céu proliferam encontros virtuais e paixões de novela,
numa espécie de expansão natural dos serviços de fast food.
No lugar do sol, um ecrã gigante com informação em tempo real.
Espreitei-o agora mesmo:
'system overload. try rebooting your life' - resplandeceu.
sexta-feira, 25 de junho de 2010
domingo, 20 de junho de 2010
De la musique - Sia
Conhecia os Zero 7, mas não sabia que Sia Furler tinha uma carreira a solo. Felizmente, o Som que ouves está atento a estas coisas. E é por estas e por outras que está ali, na barra lateral deste blogue.
Tema: Sunday
Intérprete: Sia
Álbum: Colour the Small One (2004)
Domingo
Gosto de Domingos solarengos
para me sentar no banco do jardim
a construir versos, anversos e reversos.
Reúno as folhas espalhadas pelo solo
e vou reconstituindo fragmentos de memória.
As letras que sobram, devolvo-as às árvores
para que retomem o verde original.
É na primavera, então,
que tudo assume uma ordem substancial;
mas é das folhas que sobram,
já que as outras continuam desordenadamente reunidas
no chão da memória,
reconstituindo fragmentos de um Outono qualquer.
Dizia eu que gosto de Domingos solarengos.
De facto, é nesses dias de estação
que eu aproveito para escrever versos.
E é passar por aqui depois
e vê-los, dependurados no tempo, à espera
de cair ou renascer.
para me sentar no banco do jardim
a construir versos, anversos e reversos.
Reúno as folhas espalhadas pelo solo
e vou reconstituindo fragmentos de memória.
As letras que sobram, devolvo-as às árvores
para que retomem o verde original.
É na primavera, então,
que tudo assume uma ordem substancial;
mas é das folhas que sobram,
já que as outras continuam desordenadamente reunidas
no chão da memória,
reconstituindo fragmentos de um Outono qualquer.
Dizia eu que gosto de Domingos solarengos.
De facto, é nesses dias de estação
que eu aproveito para escrever versos.
E é passar por aqui depois
e vê-los, dependurados no tempo, à espera
de cair ou renascer.
Bom dia
Sempre gostei da Praça de Mouzinho de Albuquerque, um dos espaços verdes do Porto que vai resistindo à "modernização" da cidade (leia-se: substituição da terra, das plantas e dos bancos de madeira à sombra, por betão e bancos de pedra ao sol).
Muito do que eu escrevi foi ali, naquele sítio que para mim funcionava como uma espécie de retiro espiritual. Sentava-me sossegadamente a observar as plantas, os pássaros, o céu; as pessoas, os automóveis e os edifícios. Este contraste entre o silêncio da natureza e o rebuliço da cidade era uma fonte de inspiração para mim. Outra era o mar. O mar era hipnótico.
Actualmente, poucas são as vezes que passo por aquela zona da Boavista e pela praia. Foram-se duas das minhas musas. Estas e outras cuja ausência é bem menos simples e cómoda de explicar. Adiante. Continuo a publicar textos antigos. Enquanto houver. Depois logo se vê.
Um bom domingo.
Muito do que eu escrevi foi ali, naquele sítio que para mim funcionava como uma espécie de retiro espiritual. Sentava-me sossegadamente a observar as plantas, os pássaros, o céu; as pessoas, os automóveis e os edifícios. Este contraste entre o silêncio da natureza e o rebuliço da cidade era uma fonte de inspiração para mim. Outra era o mar. O mar era hipnótico.
Actualmente, poucas são as vezes que passo por aquela zona da Boavista e pela praia. Foram-se duas das minhas musas. Estas e outras cuja ausência é bem menos simples e cómoda de explicar. Adiante. Continuo a publicar textos antigos. Enquanto houver. Depois logo se vê.
Um bom domingo.
sábado, 19 de junho de 2010
Ainda os implantes
Tinha andado a manhã toda a pensar no diabo dos implantes: «dois quilos (cada)», será que chega? Não será pouco? Comecei a tirar medidas às raparigas que passavam. A primeira prometia: com o seu decote até ao umbigo, deixando entrar o sol inteiro. Mas à medida que se foi aproximando, vi aquela miragem esvaziar-se, como dois balões furados. Ainda dei dois passos atrás, tentando recuperar o cenário inicial, mas era tarde, já nem o vento lhe pegava. Veio a segunda. Esta foi de percepção imediata: duas borbulhas ao peito a saltitar, a saltitar (lembrei-me da luta entre o garfo e as ervilhas), verdadeiramente angustiante. De quando em vez, lá passavam umas peritas de nariz mais empinado (pose de modelo), maçãs para todos os gostos; mas marmelos, nem vê-los.
A coisa não estava a correr de feição; e pior ficou, quando, subitamente, aos saltos, começou a desbarrigar-se aquela amostra de símio (ao que parece, não ficou lá muito agradado por ver a sua senhora examinada ao pormenor - ao pormenor... pfff... lançada à água, dava para fazer bodyboard, quando muito). Disse-lhe que tinha sido apenas um olhar casual, que nada havia para ver... Pior: que era só tarados, que não tinha medo de ninguém (babava-se de alto a baixo, e cheguei a pensar em chamar a Protectora dos Animais... mas depois reconsiderei e, em vez disso, optei por lhe oferecer uma banana). Lá se calou. Quando tudo parecia terminado, a outra entrou em histeria: que as bananas a deprimiam, que sempre fora habituada a amendoins... Enfim, a conversa já não era comigo, e fui-me afastando, disfarçadamente.
Tudo isto por causa da merda dos implantes... E eu sem resposta. Bem... lá ficaria a «puta» de O anão com dois quilos em cada mama, e não se pensava mais no assunto. Até porque toda aquela agitação de primatas e de frutos tinha-me deixado com sede. Entrei, desanimado, na cervejaria mais próxima, sentei-me ao balcão, e quem que me vem atender? Nem mais: a mamuda da Maria. Debruçou-se sobre o balcão, e, de repente, fez-se uma luz enorme, ou melhor, duas! Pedi uma cervejola, com os olhos pregados naqueles marmelões; e que o tempo andava mau, etc., coisa e tal, que nem praia tinha feito (coitadita... mas também, com aquelas bóias, era um certificado de caducário para os salva-vidas, pela certa... melhor assim). Ainda cheguei a imaginá-la: a boiar na cerveja, com um palito espetado no umbigo; e tanto a imaginei, que quando dei por mim, tinha o nariz enfiado no copo. Riu-se (a coisa compunha-se). Perguntei-lhe pelo Zé Manel. Que tinha acabado tudo, que merecia sorte melhor; estava angustiada, a pobre da rapariga. E, claro está, quem é que ia confortá-la? Aqui o je (oh... triste sina). Que saía às dez, e às dez lá estava eu.
Precisava de algo que a distraísse; por isso, não perdi tempo: levei-a a ver a minha colecção de peixes. Ficou entusiasmada com aquilo; e eu lá fui preparando o ambiente: um musicol à maneira, média luz, dois whiskiezitos on the rocks, para prolongar um pouco mais a coisa... e pronto, a galope, que se faz tarde (pensava eu). É que mal pus as mãos naquelas tetas XXL, não resisti e perguntei: quanto é que pesam os implantes? Tudo estragado: se estava a gozar, que nunca tinha sido tão humilhada, vestiu-se e foi. (E eu ali... feito morcão, de braços estendidos, a apalpar sabe-se lá o quê.) Tudo por causa da outra vaca mais a merda da pudicícia! De castigo, ficou sem implantes.
A coisa não estava a correr de feição; e pior ficou, quando, subitamente, aos saltos, começou a desbarrigar-se aquela amostra de símio (ao que parece, não ficou lá muito agradado por ver a sua senhora examinada ao pormenor - ao pormenor... pfff... lançada à água, dava para fazer bodyboard, quando muito). Disse-lhe que tinha sido apenas um olhar casual, que nada havia para ver... Pior: que era só tarados, que não tinha medo de ninguém (babava-se de alto a baixo, e cheguei a pensar em chamar a Protectora dos Animais... mas depois reconsiderei e, em vez disso, optei por lhe oferecer uma banana). Lá se calou. Quando tudo parecia terminado, a outra entrou em histeria: que as bananas a deprimiam, que sempre fora habituada a amendoins... Enfim, a conversa já não era comigo, e fui-me afastando, disfarçadamente.
Tudo isto por causa da merda dos implantes... E eu sem resposta. Bem... lá ficaria a «puta» de O anão com dois quilos em cada mama, e não se pensava mais no assunto. Até porque toda aquela agitação de primatas e de frutos tinha-me deixado com sede. Entrei, desanimado, na cervejaria mais próxima, sentei-me ao balcão, e quem que me vem atender? Nem mais: a mamuda da Maria. Debruçou-se sobre o balcão, e, de repente, fez-se uma luz enorme, ou melhor, duas! Pedi uma cervejola, com os olhos pregados naqueles marmelões; e que o tempo andava mau, etc., coisa e tal, que nem praia tinha feito (coitadita... mas também, com aquelas bóias, era um certificado de caducário para os salva-vidas, pela certa... melhor assim). Ainda cheguei a imaginá-la: a boiar na cerveja, com um palito espetado no umbigo; e tanto a imaginei, que quando dei por mim, tinha o nariz enfiado no copo. Riu-se (a coisa compunha-se). Perguntei-lhe pelo Zé Manel. Que tinha acabado tudo, que merecia sorte melhor; estava angustiada, a pobre da rapariga. E, claro está, quem é que ia confortá-la? Aqui o je (oh... triste sina). Que saía às dez, e às dez lá estava eu.
Precisava de algo que a distraísse; por isso, não perdi tempo: levei-a a ver a minha colecção de peixes. Ficou entusiasmada com aquilo; e eu lá fui preparando o ambiente: um musicol à maneira, média luz, dois whiskiezitos on the rocks, para prolongar um pouco mais a coisa... e pronto, a galope, que se faz tarde (pensava eu). É que mal pus as mãos naquelas tetas XXL, não resisti e perguntei: quanto é que pesam os implantes? Tudo estragado: se estava a gozar, que nunca tinha sido tão humilhada, vestiu-se e foi. (E eu ali... feito morcão, de braços estendidos, a apalpar sabe-se lá o quê.) Tudo por causa da outra vaca mais a merda da pudicícia! De castigo, ficou sem implantes.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
A viúva-negra
A viúva-negra passa.
E uma fragrância de veneno em movimento
invade, nesse preciso momento, toda a praça.
Os homens tombam na rede da sua pose
e, ao primeiro olhar de posse,
são devorados pela sede.
E uma fragrância de veneno em movimento
invade, nesse preciso momento, toda a praça.
Os homens tombam na rede da sua pose
e, ao primeiro olhar de posse,
são devorados pela sede.
sábado, 12 de junho de 2010
Cicuta
As sementes de cicuta semeadas no
vento germinam fragrâncias venenosas que
me povoam a mente de ideias pecaminosas: ter-te
- pura cobiça - entre a porta escancarada da
luxúria e o abismo da aleivosia. Ler-te nos olhos
a avidez com que antecipas a cópula é possuir-te já. Já
- inevitavelmente - num rodopio de roupas que se rasgam e
carnes que se devoram. Já... é passado, uma fracção de
segundo que ficou no prazer dos corpos imundos. Mas
lava-se o rosto, troca-se de roupa, e - tudo resolvido -
alma nova, corpo saciado. "Até mais" - sem dúvida -
"separemo-nos" - as aparências.
Desço tranquilamente a rua (há algo reconfortante no ar:
é mais puro - engano, puro veneno).
E uma multidão de cicutas engalanadas
dá um aspecto mais sério e honesto à cidade.
vento germinam fragrâncias venenosas que
me povoam a mente de ideias pecaminosas: ter-te
- pura cobiça - entre a porta escancarada da
luxúria e o abismo da aleivosia. Ler-te nos olhos
a avidez com que antecipas a cópula é possuir-te já. Já
- inevitavelmente - num rodopio de roupas que se rasgam e
carnes que se devoram. Já... é passado, uma fracção de
segundo que ficou no prazer dos corpos imundos. Mas
lava-se o rosto, troca-se de roupa, e - tudo resolvido -
alma nova, corpo saciado. "Até mais" - sem dúvida -
"separemo-nos" - as aparências.
Desço tranquilamente a rua (há algo reconfortante no ar:
é mais puro - engano, puro veneno).
E uma multidão de cicutas engalanadas
dá um aspecto mais sério e honesto à cidade.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
quinta-feira, 3 de junho de 2010
De la musique - Jazzanova
Tema: We Who Are Not as Others [Jazzanova Mix]
Intérprete: Jazzanova
Álbum: The Remixes 1997-2000 (2000)
O anão
- Vem a meus braços, infiel! - acudiu, tolerante, a Santa, sua esposa.
- Bem me comeu a cabeça, aquela puta e os seus implantes de dois
quilos (cada)! Devia haver uma lei que protegesse os fracos e oprimidos
de tais tentações.
- Penses mais nisso, homem. Bem sabes que tenho o coração do tamanho
do mundo!
E pregou o nariz do arrependido marido entre as pernas, suspirando
três cândidos «Ohh... Virgem Santíssima!» - era o sinal.
Atento, o outro (que nada tinha que ver com esta cena de sagrados
laços matrimoniais) saiu sorrateiramente da gaveta da lingerie,
com a pudicícia ainda a pingar-lhe da tromba, e escapuliu-se
pelo buraco da fechadura.
- Bem me comeu a cabeça, aquela puta e os seus implantes de dois
quilos (cada)! Devia haver uma lei que protegesse os fracos e oprimidos
de tais tentações.
- Penses mais nisso, homem. Bem sabes que tenho o coração do tamanho
do mundo!
E pregou o nariz do arrependido marido entre as pernas, suspirando
três cândidos «Ohh... Virgem Santíssima!» - era o sinal.
Atento, o outro (que nada tinha que ver com esta cena de sagrados
laços matrimoniais) saiu sorrateiramente da gaveta da lingerie,
com a pudicícia ainda a pingar-lhe da tromba, e escapuliu-se
pelo buraco da fechadura.
terça-feira, 1 de junho de 2010
De la musique - Neil Young & Crazy Horse
Estou apaixonado por esta música.
Tema: Cortez the Killer
Intérprete: Neil Young & Crazy Horse
Álbum: Zuma (1975)
Tema: Cortez the Killer
Intérprete: Neil Young & Crazy Horse
Álbum: Zuma (1975)
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