domingo, 30 de maio de 2010

Sinais dos tempos

Casamento

Cenário: domingo de sol pardacento porta da igreja
alguém espreita ouvem-se vozes aos repelões num
tropel de corpos que se marcam passos cruzados rostos
decorados (quantas ausências em seus bolsos?) deixar
deixar passar entre(cena) trôpegos aromas chanel
promessas e lágrimas de crocodilo o sôfrego
ardor paregórico dos amantes não não descubram ainda o
virgem véu da noiva que com passinhos de dança sobe ao
altar nem arranquem dos vitrais os corações esmagados uni-
dos para sempre beijo e fotografia pratos
finos lua-de-mel à sobremesa abraço forte parabéns
e lá vai a sementeira...
Cenário: domingo de sol pardacento, porta da igreja
e a guilhotina nos olhos antecipando o texto.

Bom dia

Está um belo domingo para "dar o nó".

sexta-feira, 28 de maio de 2010

De la musique - U2



Tema: Beautiful Day
Intérprete: U2
Álbum: All That You Can't Leave Behind (2000)

It's a beautiful day

A praia está deserta.
O cinzento cobre o céu, num ameaço de chuva.
O mar, despreocupado, vai trazendo a espuma até a areia,
apagando o rasto das memórias que por aqui se têm deitado.
A Alannis Morrisette lá se vai entretendo a cantar histórias
que se perdem no quebrar das ondas.
Faço de toda esta extensão de vento livre
o adoçante do café que saboreio lentamente.
A atmosfera é perfeita e começo a imaginar-te:
slow-motion, abrindo a água, cabelos soltos,
sorris para o céu de olhos fechados.
Como é perfeito o teu corpo!
Até o sol espreita, por instantes, cobrindo-o de brilho,
realçando formas redondas, que despontam como se a luz te excitasse.
Engulo em seco, peço um compal - light, pois claro -
e bebo-te demoradamente, deixo que percorras todo o meu corpo.
Mas quero sentir-te ainda mais perto; então, sigo-te os movimentos,
cerro os olhos, inclino-me para trás e... zás, cá estás. (Simples, não?)
Pedes-me um cigarro, acedo prontamente.
Acendo-te, quero-te em brasa - já que não há sol, que me aqueças tu.
Envio-te o meu olhar fatal... bem... pelo menos resulta,
já que, num estalar de dedos, rebolamos pela areia,
humedecida por aromas e segredos desvendados.
Os teus lábios mordem-me a orelha e murmuram:
"são trezentos escudos"... "trezentos escudos, por favor".
Trezentos escudos?! Essa agora?! Abro os olhos
(é a empregada da esplanada e, ao que parece, terminou o turno).
Nem sei se me zangue ou se me renda de novo ao seu encanto...
Enfim, pago. E, enquanto me despeço da praia deserta,
vou ouvindo a música que fica para trás:
"It's a beautiful day" - diz o Bono.
Sorrio.


ps - Trezentos escudos? Já lá vão uns anitos...

Doces momentos

Por entre os desejos ocultos
Vagueiam os meus pensamentos.
De entre as sombras dos vultos
Ressurgem os doces momentos.

Estendo as mãos, sinto o papel,
Percorro o teu corpo de mel.
Saboreio o néctar divino,
Saem palavras sem tino.

Enrolam-se os corpos no chão,
Os beijos procuram guarida.
Ergue-se a voz do coração,
Desenham-se formas de vida.

Escorrego sobre o teu leito,
Bebo um trago do teu peito.
Deixo guiar-me o instinto,
Sacio o menino faminto.

Fecham-se os olhos ao mundo,
Abrem-se as portas do amor.
Solta-se o êxtase profundo,
Entre gemidos de ardor.

Fixo os meus olhos nos teus,
Sei que eles lêem os meus.
Um só plano, um só desejo:
A paz de um último beijo.

De entre os desejos ocultos,
Regressam os meus pensamentos.
Por entre as sombras dos vultos,
Se perdem os doces momentos.

De la musique - Red House Painters



Tema: 24
Intérprete: Red House Painters
Álbum: Down Colorful Hill (1992)

Os beijos são versos

Os beijos são vozes que vagueiam pela praia,
feitas de vento e de memória.
Trazem nas mãos a dança dos lábios,
o prazer da uva, o travo do sal.
Tremem como pálpebras, perante o sol,
caem como a noite
e regressam com as primeiras ondas da manhã.
Os beijos são versos.

Bom dia

Dia de beijos. Do tempo em que a vida era uma criança.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

De la musique - Radiohead



Tema: House of Cards
Intérprete: Radiohead
Álbum: In Rainbows (2007)

De la musique - Mazzy Star



Tema: Fade Into You
Intérprete: Mazzy Star
Álbum: So Tonight That I Might See (1993)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

É nos olhos que tudo se altera

É nos olhos que tudo se altera.
Pequenas coisas, factos cronologicamente irrelevantes,
como diria a racional lógica matemática.
Mas a verdade é que sinto falta delas.
Porquê? Não sei, é irracional.
Que falta podem fazer a um homem pequenos factos irrelevantes?
Mas, nessa altura, não era relevante se pequenas coisas eram relevantes.
Todo o tempo do mundo, todo o tempo do mundo, todo o tempo do mundo
para construir pequenos factos irrelevantes.
Nessa altura, não escrevia versos.
Mas escrevia torto por linhas direitas.
E era irrelevante se isto faz algum sentido, hoje.
Hoje, o Douro traz-me tudo aos pedaços.
A sua voz sóbria já não me canta verdes planos preenchidos.
A sua medida certa diz-me que já não tenho todo o tempo do mundo.
Mais racional do que isto só mesmo perceber isto.
Mas é nos olhos que o tudo se altera.
E escrevo, em forma de verso que não rima,
a fórmula matemática da infelicidade.

Bom dia

Hoje, passei pelo rio Douro e lembrei-me de algo que escrevi. Pouco depois, chegado a casa, li um texto no .Mental Break. que me lembrou a minha passagem pelo Douro, antes de chegar a casa e ler um texto no .Mental Break.. Há coisas que, por mais voltas que dermos, não mudam.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

De la musique - Why?

Algo que conheci hoje.



Tema: Good Friday
Intérprete: Why?
Álbum: Alopecia (2007)

Ausência (III)

Porque tudo se resume a essa palavra, guardo-a
como a mais fiel companheira. Até nas noites em que me perco
na multidão e no alarde súbito dos bares, a transporto comigo
em qualquer bolso. O seu rebordo é nítido como a chama de um
cigarro entre dois copos de whisky, e dúbio como um sorriso
atordoado qualquer que se oferece ao primeiro olhar indiscreto.
Então, prendo-a nos meus braços e possuo-a pelas paredes
do beco mais próximo. Regresso a casa para a insónia habitual
e estendo-a na cama a meu lado. Não há cenas de ciúmes, nem
perguntas pertinentemente idiotas; apenas e só
o ressonar da ausência, que me impede de dormir.

Ausência (II)

Primeiro, entras no labirinto dos olhos, perdes-te
em aromas ébrios, no deslumbramento da pele, no
chamamento dos lábios. Depois, a carne, a fusão
etérea, o fogo consumado. Ainda, um breve resvalar
de promessas sobre tons místicos; e ei-la: a pausa,
o desvendar da eternidade, o aconchego do céu.

E adormeces.

Um dia, acordas. Tens frio. Tens medo. Estás só.
Tentas recuperar o sonho, mas é inútil; já não é tempo de
infinito. Então, partes à procura do amor, com paixão
insaciável, mas sóbria, regressiva, mas madura, cheia
de eufemismos e de falsas contradições.
De quando em vez, questionas: ainda sonho?
E não sonhas.
Então, regressas. Então, partes.
Hei-de morrer tentando - afirmas, qual herói de banda
desenhada, com suas vestes de balões em surdina.

Ausência (I)

O automóvel parou. Um cenário de luzes foscas
caiu abruptamente sobre o pára-brisas, e
o silêncio bradou. Onde estava o nimbo da lua, o
fulgor trémulo das estrelas, a brisa das palavras
nos ouvidos? Há muito que o perdêramos pelas
curvas da vida. O que a noite nos trazia naquele
instante não era mais do que a cinza dos
sonhos e a embriaguez dos lençóis,
e sabíamo-lo, cúmplices da nossa sorte.
(De tão pouco nos vale a consciência dos (f)actos...)
Subimos as escadas da desesperança, e
espalhámos pelo quarto de todas as ausências
restos de prazer e de gestos.

Bom dia

Porque hoje é sexta-feira...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

De la musique - Fiona Apple



Tema: Fast as You Can
Intérprete: Fiona Apple
Álbum: When the Pawn Hits the Conflicts He Thinks Like a King... (1999)

Hei-de encontrar-te

Eis o rosto da noite, semicoberto, hipnótico,
imagem por entre a névoa iluminando-se.
Palco de sonhos evanescentes, refluídos?
Pouco me importa, a multidão dos meus olhos acorre ao
ambivalente espectáculo dos sentidos.
Sei que me esperas, algures, num desses minutos que cantam.
Na pausa do violino, no requiem do piano,
encenas ainda a nossa dança.
Sossega, hei-de encontrar-te.
E será tarde para que nos amemos.

De la musique - Pink Floyd



Tema: Time
Intérprete: Pink Floyd
Álbum: The Dark Side of the Moon (1973)

Enclave

A vivacidade do ritmo,
as notas saindo da pauta
e as palavras deambulando
pelos intervalos.

Volta-se a face do espelho,
e procuro, na opacidade
do anverso onde me vejo,
um verso que me devolva
a cadência inicial.

Então, tudo recomeça:
as notas levitando no espaço,
as palavras desmaiando no vazio...
e o espelho, às voltas,
flectindo e reflectindo
o reverso das letras.

Uma clave de sol
coça-me a nuca e franze os olhos:
"tudo irreal na viagem surreal?"

(Lembrei-me agora
de dar corda ao relógio.)

Bom dia

De regresso, quase um ano depois. O tempo passa...